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“News:rewired” discute as principais inovações no jornalismo online mundial
Lívia de Souza Vieira
Doutoranda no POSJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS
Doutoranda no POSJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS
Na última quarta-feira, 8 de fevereiro, estive na news:rewired, conferência de jornalismo digital promovida em Londres pelos organizadores do site independente Journalism.co.uk. Pela programação já dá pra ver que foi um grande evento, no qual palestraram influentes repórteres e profissionais da comunicação de várias partes do mundo.
Diversos assuntos estiveram em pauta durante o dia: melhores práticas para enfrentar as notícias falsas (fake news), engajamento em vídeos ao vivo nas redes sociais, automatização nas redações, jornalismo de dados em dispositivos móveis, princípios de games para reportagens, storytelling colaborativo e iniciativas inéditas nas redações, os chamados projetos especiais. Inovação foi a palavra-chave que permeou todas as palestras.
A equipe do Journalism.co.uk fez uma excelente cobertura do evento, com live blogging e entrevistas (confira aqui, em inglês). Outra forma de se inteirar sobre o que aconteceu é seguir a hashtag #newsrw no Twitter. Lá, há muitos comentários, fotos e insights dos participantes, também em inglês.
Aqui, vou me ater a pontuar o que mais me chamou atenção, sem a preocupação de cobrir todos os assuntos tratados.
De acordo com Alfred Joyner, diretor de vídeo da IBT Media, 66% das visualizações nos vídeos ao vivo do Facebook acontecem depois que eles terminam. Daí a importância de reempacotar o conteúdo, dando novos significados a ele. Além dessa dica, Alfred enfatizou que é preciso treinar os apresentadores (todos os palestrantes bateram na tecla de que o Facebook Live não é TV, por isso não precisa ter aquele formato mais engessado) e obter os equipamentos adequados, para garantir a qualidade das transmissões.
Ainda sobre streaming, Sue Llewellyn, ex-BBC e fundadora da Ultra Social, pontuou cuidados importantes, ao que ela chamou de “The ‘S.P.E.C.T.R.E’ of Livestreaming”: Segurança, Privacidade e Permissões, Ética, Copyright, Confiança e Trolls, Risco de Reputação e Traumas Emocionais. “Ética é uma preocupação constante. Poder transmitir algo ao vivo não significa que você deve fazê-lo”, afirmou.
– Redações cibernéticas: Reuters automatiza 400 matérias por dia e BBC usa robôs para traduzir vídeos em outras línguas
Na Reuters, 400 matérias estão sendo feitas por robôs em um dia, além de 950 alertas enviados de forma automatizada, afirmou Reg Chua, diretor executivo de Dados e Inovação. Para ele, velocidade, abrangência na cobertura (mais línguas, mais audiência), custo e eficiência são as principais razões para automatizar o jornalismo. Reg pontuou que máquinas podem fazer correlações, mas não causalidades e entendimento de contextos. Por isso, o foco nos insights, já que os robôs são capazes de identificar anomalias, que devem ser interpretadas pelos jornalistas. “Estamos construindo uma redação cibernética, em que humanos ajudam máquinas e máquinas ajudam humanos no que ambos fazem de melhor”, enfatizou.
Susanne Weber, da BBC News Labs, apresentou a ALTO, ferramenta que traduz conteúdo de vídeo em vários idiomas de forma automatizada, e utiliza a sintetização de texto para voz. O que mais me impressionou na ferramenta foi sua facilidade de uso (veja na imagem acima): o jornalista clica em ‘traduzir’, escolhe a voz que deseja e adiciona ao vídeo. No entanto, Susanne afirmou que ainda há a necessidade do trabalho humano para corrigir as traduções, que nem sempre são precisas.
Ao final deste painel, um participante do evento fez um questionamento ético: “Vocês querem que as pessoas pensem que as matérias e vídeos automatizados foram feitos por humanos?”. Ambos responderam que não e justamente por isso deixam claro que aquele conteúdo foi escrito por um robô.
– Mais scroll, visualizações personalizadas para cada dispositivo e menos interatividade no jornalismo de dados para mobile
“Em visualização de dados para mobile, menos é mais”, resumiu Collen McEnaney, editora gráfica do The Wall Street Journal. Ela também ressaltou a importância de pensar verticalmente (“as pessoas podem dar scroll pra sempre”) e produzir ilustrações claras, com informações fáceis de encontrar.
Martin Stabe, diretor de Notícias Interativas do The Financial Times, afirmou que a produção de uma única matéria requer diferentes tipos de gráficos. “Mesmos dados, diferentes visualizações para cada dispositivo”, disse (veja exemplo na imagem acima). Segundo Martin, isso leva a uma mudança no fluxo de trabalho, pois a equipe pensa em visualizações distintas para o impresso, desktop, iPad e smartphones.
Outro ponto interessante neste painel foi o entendimento de que a interatividade desnecessária deve ser evitada. “Interatividade é um atributo de design tanto quanto a cor. Tome a decisão caso a caso. Essa matéria realmente precisa ser interativa? Não há valor intrínseco no ‘Oh, eu posso clicar nisso!’”, afirmou Martin Stabe. Por fim, a recomendação: reduza o número de cliques e encoraje o scroll, como neste exemplo do Washington Post.
A fala de Paul Myles, da Our Radar, foi inspiradora e mostrou como tecnologia e comunidade podem se aliar para fazer um jornalismo de qualidade. O que ele chamou de storytelling colaborativo tem por objetivo envolver comunidades para contar suas próprias histórias. “É o encontro do jornalismo tradicional com o jornalismo cidadão”, afirmou.
Myles levou dois exemplos muito relevantes e sensíveis: o Back in Touch, que conta histórias de moradores de Serra Leoa depois da crise do Ebola; e o Dementia Diaries, que traz relatos do cotidiano de pessoas com demência. No primeiro projeto, a comunidade de Serra Leoa recebeu celulares com câmeras e reportou suas próprias condições durante dois anos. No segundo, foram entregues gravadores impressos em 3D, muito fáceis de usar (veja imagem acima), para que as pessoas pudessem gravar os áudios com os relatos de maneira simples.
Conectividade, capacidade e confiança são três barreiras para a produção de projetos colaborativos com comunidades, enfatizou Paul Myles. Ele ainda chamou atenção para o fato de que a falta de recursos financeiros está fazendo com que os jornalistas parem de se conectar com as pessoas. “É hora de a mídia repensar a maneira com a qual se engaja com a comunidade”, salientou.
– Projetos especiais misturam inovação e interesses comerciais
Foi consenso entre os palestrantes deste painel: “projetos especiais” são aqueles que trazem pessoas de diferentes equipes e expertises para trabalharem juntas. No The Guardian, Quartz e The Financial Times, eles já possuem status de editoria.
Além do caráter experimental e inovador, os jornalistas dos três veículos chamaram atenção para a importância da parceria comercial, visto que o custo para produção desses projetos especiais normalmente é bastante alto. Nesse sentido, Francesca Panetta, editora do The Guardian, disse que o bom relacionamento entre as equipes editorial, comercial e de marketing é essencial para as iniciativas darem certo. “Colocar todos juntos desde o início ajuda a diminuir as tensões entre as diferentes equipes”, afirmou. Um dos exemplos apresentados ratifica isso: o já famoso “6×9: a virtual experience of solitary confinement”, projeto em realidade virtual do The Guardian, tem o Google entre os patrocinadores.
Como se vê, foi um dia intenso, com discussões muito interessantes. No fim, saí com a certeza de que as melhores redações do mundo, tradicionais ou independentes, estão se dispondo a pensar em como inovar no jornalismo, num equilíbrio desafiador entre equipes, tempo, dinheiro e qualidade.